Como plantas de clima árido sobrevivem com pouca água?
Plantas de clima árido, como as famosas suculentas, possuem mecanismos metabólicos muito específicos que lhes permite viver sob condições extremas de calor e falta de água.
Para isso, elas precisam otimizar ao máximo o uso da pouca água disponível, e o fazem de forma muito inteligente.
Para entendermos como elas executam esta façanha, veremos como as plantas comuns se comportam para melhor compreender as diferenças.
As plantas, diferentemente dos animais, produzem seu próprio alimento em seu organismo através da fotossíntese.
Elas utilizam a radiação eletromagnética do Sol para gerar energia suficiente para quebrar a molécula de água e utilizar o hidrogênio para produzir energia química, que será utilizada para retirar o elemento carbono do CO2 (dióxido de carbono), e fabricar seu alimento: os açúcares (carboidratos).
Uma parte é utilizada para produção de energia para as células, o ATP (Adenosina trifosfato), e o excesso é armazenado em tecidos especializados como os frutos e as raízes. O pé de batata, por exemplo, armazena boa parte dos açucares que produz em suas raízes na forma de amido: a batata!
A água é, portanto, um composto indispensável nesse processo, e é obtida pela absorção nas raízes.
Contudo, para que as raízes absorvam água, poros nas folhas precisam se abrir para permitir o fluxo. Estes poros se chamam estômatos. Quando o estômato se abre, a água presente nos tecidos internos da planta evapora, e a medida que isso ocorre, uma pressão osmótica é formada para que uma nova quantidade de água entre pelas raízes, criando um fluxo continuo. É como se cada molécula de água, ao se desprender pelos estômatos para a atmosfera, puxasse outras moléculas abaixo dela desde a raiz, como uma corrente, onde o primeiro elo puxa os seguintes. Este mecanismo ocorre graças a coesão da água e, em botânica, é conhecido como Teoria da Tensão/Coesão.
Plantas que ocupam regiões com clima favorável e boa oferta de água, como as tropicais, podem abrir seus estômatos durante todo o dia, pois, apesar da perda, existe água no solo em abundância para reposição, mantendo a corrente de moléculas contínua.
Quando elas se abrem para transpirar, também coletam o CO2 que é igualmente importante para a fabricação dos açúcares, já que é dele que se extrai o carbono, um elemento indispensável na composição deles.
Portanto, durante todo o dia, essas plantas absorvem água, coletam CO2 e produzem açucares.
As plantas de clima árido também precisam produzir estes mesmos açúcares, pois precisam se alimentar da mesma forma usando água e CO2.
O grande problema é que abrir os estômatos em condições de secura e calor extremos nunca é uma boa ideia. Com falta de água, se estas plantas abrirem seus estômatos para transpirar e coletar CO2, se desidratam rapidamente e correm o risco de morrer. Elas precisam usar a água que possuem em seu organismo com moderação, pois não possuem meios de repô-la rapidamente. A única saída, é manterem-se fechadas para resguardá-la em seus tecidos e evitar a perda excessiva. Porém, uma vez fechadas, como vão obter o CO2 para a produção final dos açúcares? Este é um grande dilema, pois ao preservarem a água, deixam de obter a matéria-prima para os açucares: o carbono.
A solução que elas encontraram foi dividir as tarefas entre o dia e a noite, executando a fotossíntese de uma forma especial, bem diferente das demais plantas, chamada de fotossíntese CAM, sigla em inglês para Mecanismo Ácido das Crassuláceas. Apesar de crassuláceas no nome, este mecanismo não ocorre apenas nessa família botânica, mas como foi descoberto nelas, o nome foi mantido.
Mas afinal, como esse mecanismo CAM funciona?
Durante a noite, elas abrem seus estômatos para coletar o CO2 da atmosfera, necessário para a fabricação dos açúcares. Como a noite a temperatura diminui, não correm o risco de perder tanta água por evapotranspiração.
Porém, sem a energia do Sol para quebrar as moléculas de água e utilizar o hidrogênio para produzir energia química, elas ainda não conseguem extrair o carbono do CO2. Para isso, elas convertem o CO2 coletado em ácido málico, e guardam em suas folhas, que desenvolveram a capacidade de armazenar não apenas uma grande quantidade de água, mas também de CO2 convertido em ácido málico. Suas células possuem pequenas bolsas chamadas de vacúolos que servem para essa estocagem. Por isso plantas suculentas são tão gordinhas!
Durante o dia, para não perder água, elas mantêm-se fechadas e efetuam a produção de energia química aproveitando a energia do Sol, com uma quantidade limitada de água em seus tecidos internos. O ácido málico que foi armazenado é convertido de volta em CO2, onde o carbono contido nele formará os açúcares na etapa final na fotossíntese, o Ciclo de Calvin, depois que toda a energia química necessária tiver sido produzida com a energia solar.
Assim, suculentas dividem seu trabalho entre o dia e a noite e economizam uma grande quantidade de água, sendo capazes de resistir semanas ou mesmo meses com quase nenhuma água no solo.
Esta é a razão destas plantas não precisarem ser constantemente regadas. Mesmo que você tenha pena delas, e pense que irá ajudá-las, na verdade pode estar prejudicando-as, pois o organismo delas não foi adaptado para a abundância de água.
Mais uma vez, a natureza nos demonstra o princípio inteligente que há em todas as suas ações, e por isso, devemos preservá-la e respeitá-la.
Para se aprofundar mais:
- Periódico Current Biology
Magazine, artigo “Crassulacean acid metabolism”, disponível em https://www.cell.com/current-biology/pdf/S0960-9822(19)31575-1.pdf - Artigo da Wikipedia “Crassulacean acid metabolism”, disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Crassulacean_acid_metabolism
- Artigo “Crassulacean Acid Metabolism. A Plastic Photosynthetic Adaptation to Arid Environments”, em https://academic.oup.com/plphys/article/127/4/1439/6103653